Foi o incomodo nas costas que fez Yue se mover.
- Shiu. Fique parado. – a voz era tranquila, quase gentil, mas ainda assim fez com que ele abrisse os olhos de imediato.
O garoto estava deitado de bruços no chão de pedra.
O lugar era escuro e o ar pesado fedia a urina e fezes.
Tentou se mover e sentiu o corpo todo doer.
- Eu falei pra ficar parado! – ouviu novamente. – Se você se mexer...
Yue simplesmente ignorou, empurrando o chão com os braços e se erguendo devagar.
Suas costas doíam e ardiam a cada respiração.
- Pronto! Já arrebentou alguns pontos! Tá feliz agora?
Deu alguns passos cambaleantes, apoiando uma das mãos contra a parede e se voltando na direção da voz.
A garota estava sentada em um bloco de pedra junto a parede. Segurava uma agulha em forma de anzol e tinha ao seu redor alguns frascos com unguentos, linha e uma porção de panos sujos de sangue.
Era mais alta e mais velha do que ele, talvez uns quatro anos.
- Que tal me deixar terminar o trabalho? – falou, estendendo uma mão em sua direção.
Yue não recuou, mas não permitiu ser tocado.
Ao invés disso a garota percebeu que ele olhava ao redor com um ar sério e tranquilo.
- Você está procurando alguma coisa para me atacar não, é? – suspirou, baixando a mão e desistindo. – Está bem... Vamos fazer do seu jeito. Mas fique sabendo... O que você está sentindo agora nem se compara a dor que vai sentir quando o anestésico passar. Além disso... Se eu não tratar esses ferimentos eles vão infeccionar. Logo a febre vai piorar, você vai ficar ainda mais fraco e vai acabar morrendo aqui dentro. É isso o que você quer?
A criança não respondeu.
Pelo menos não com palavras.
Agora os olhos negros de Yue estavam completamente voltados em sua direção e ela pressentia que se tentasse forçar o tratamento acabaria com aquela agulha enfiada no próprio olho.
- Que
seja... – deu de ombros e começou a fechar os frascos e guardar as coisas em uma
pequena bolsa de couro. – Você é tão teimoso quanto ouvi dizer. Teimoso demais
para alguém tão novo, por sinal. Chega a ser idiota.
Apesar de tudo, Yue não relaxou. Mas aproveitou para entender melhor sua situação.
Alguém o havia vestido novamente. Pelo menos as calças.
A farda estava junto da garota. Ela provavelmente havia tirado para poder tratar suas feridas.
Ele provavelmente havia desmaiado durante as trinta chibatadas e sido jogado ali para cumprir o período de solitária.
- Estão falando de você, sabia? – ela tentou mais uma vez. – Sobre o moleque que se recusa a usar o uniforme.
A garota terminou de arrumar tudo, prendendo a bolsa de couro junto a cintura e encostando as costas contra a parede.
Os símbolos em sua farda mostravam seu rank, graduação e facção.
Uma médica do terceiro ano. Só mais um soldado entre tanto ali.
- Alguns estão apostando se você vai sobreviver. E se sobreviver, se vai ou não vestir o uniforme. E aí, como vai ser?
A garota sorri. Ela busca onde havia deixado a roupa do garoto e então a estende para que ele possa se vestir.
Yue não se move. Apenas permanece ali... Encarando... Esperando uma brecha...
Ela sabe que está em vantagem.
É mais
velha, mais forte, mais treinada e está saudável. Sabe que basta uma palavra
para alguém entrar naquele espaço confinado e colocar aquela criança selvagem em seu devido lugar com mais uma dose de pancadas.
Ainda assim, alguma coisa no moleque a deixa insegura. Talvez o fato dele não demonstrar um pingo de medo ou não parecer dar a mínima para si mesmo.
Ele provavelmente arrancaria um pedaço dela se tivesse a menor chance de fazer isso.
- Vou
deixar isso aqui. – a garota fala em um tom menos amigável e mais sério antes de se por
de pé, largando a farda sobre a pedra onde estava sentada.
Sem dar as costas, ela segue para a porta de ferro e para diante dela.
- Apenas um conselho, pirralho. Sua teimosia não vale sua vida...
Duas batidas e a porta se abre imediatamente.
- Pense nisso. – fala, piscando com um dos olhos e então evadindo para as luzes do corredor.
Uma semana depois e Yue estava sendo arrastado dali diretamente para outra sala do subsolo.
Tão nu quanto no dia que veio ao mundo.
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