Capítulo 9 - Feridas e Solidão

 


 

Foi o incomodo nas costas que fez Yue se mover.

 

- Shiu. Fique parado. – a voz era tranquila, quase gentil, mas ainda assim fez com que ele abrisse os olhos de imediato.

 

O garoto estava deitado de bruços no chão de pedra.

O lugar era escuro e o ar pesado fedia a urina e fezes.

Tentou se mover e sentiu o corpo todo doer.

 

- Eu falei pra ficar parado! – ouviu novamente. – Se você se mexer...

 

Yue simplesmente ignorou, empurrando o chão com os braços e se erguendo devagar.

Suas costas doíam e ardiam a cada respiração.

 

- Pronto! Já arrebentou alguns pontos! Tá feliz agora?

 

Deu alguns passos cambaleantes, apoiando uma das mãos contra a parede e se voltando na direção da voz.

A garota estava sentada em um bloco de pedra junto a parede. Segurava uma agulha em forma de anzol e tinha ao seu redor alguns frascos com unguentos, linha e uma porção de panos sujos de sangue.

Era mais alta e mais velha do que ele, talvez uns quatro anos.

 

- Que tal me deixar terminar o trabalho? – falou, estendendo uma mão em sua direção.

 

Yue não recuou, mas não permitiu ser tocado.

Ao invés disso a garota percebeu que ele olhava ao redor com um ar sério e tranquilo.

 

- Você está procurando alguma coisa para me atacar não, é? – suspirou, baixando a mão e desistindo. – Está bem... Vamos fazer do seu jeito. Mas fique sabendo... O que você está sentindo agora nem se compara a dor que vai sentir quando o anestésico passar. Além disso... Se eu não tratar esses ferimentos eles vão infeccionar. Logo a febre vai piorar, você vai ficar ainda mais fraco e vai acabar morrendo aqui dentro. É isso o que você quer?


A criança não respondeu.

Pelo menos não com palavras.

Agora os olhos negros de Yue estavam completamente voltados em sua direção e ela pressentia que se tentasse forçar o tratamento acabaria com aquela agulha enfiada no próprio olho.

 

- Que seja... – deu de ombros e começou a fechar os frascos e guardar as coisas em uma pequena bolsa de couro. – Você é tão teimoso quanto ouvi dizer. Teimoso demais para alguém tão novo, por sinal. Chega a ser idiota.

 

Apesar de tudo, Yue não relaxou. Mas aproveitou para entender melhor sua situação.

Alguém o havia vestido novamente. Pelo menos as calças.

A farda estava junto da garota. Ela provavelmente havia tirado para poder tratar suas feridas.

Ele provavelmente havia desmaiado durante as trinta chibatadas e sido jogado ali para cumprir o período de solitária.

 

- Estão falando de você, sabia? – ela tentou mais uma vez. – Sobre o moleque que se recusa a usar o uniforme.

 

A garota terminou de arrumar tudo, prendendo a bolsa de couro junto a cintura e encostando as costas contra a parede.

Os símbolos em sua farda mostravam seu rank, graduação e facção.

Uma médica do terceiro ano. Só mais um soldado entre tanto ali.

 

- Alguns estão apostando se você vai sobreviver. E se sobreviver, se vai ou não vestir o uniforme. E aí, como vai ser?

 

A garota sorri. Ela busca onde havia deixado a roupa do garoto e então a estende para que ele possa se vestir.

Yue não se move. Apenas permanece ali... Encarando... Esperando uma brecha...

Ela sabe que está em vantagem.

É mais velha, mais forte, mais treinada e está saudável. Sabe que basta uma palavra para alguém entrar naquele espaço confinado e colocar aquela criança selvagem em seu devido lugar com mais uma dose de pancadas.

Ainda assim, alguma coisa no moleque a deixa insegura. Talvez o fato dele não demonstrar um pingo de medo ou não parecer dar a mínima para si mesmo.

Ele provavelmente arrancaria um pedaço dela se tivesse a menor chance de fazer isso.


- Vou deixar isso aqui. – a garota fala em um tom menos amigável e mais sério antes de se por de pé, largando a farda sobre a pedra onde estava sentada.

 

Sem dar as costas, ela segue para a porta de ferro e para diante dela.


- Apenas um conselho, pirralho. Sua teimosia não vale sua vida...

 

Duas batidas e a porta se abre imediatamente.


- Pense nisso. – fala, piscando com um dos olhos e então evadindo para as luzes do corredor.


Uma semana depois e Yue estava sendo arrastado dali diretamente para outra sala do subsolo.

Tão nu quanto no dia que veio ao mundo.

Moon Ghost

Escritor, designer, fotografo, musico, programador, ator, jogador, artista marcial e o que mais der na telha. Criador de mundos e alterador de realidades nas horas vagas.

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