Capítulo 12: Cythir Natma

Continente de Eversephsa
Região de Dissyith Baktah

 

Em algum momento durante a Guerra dos Deuses.

 

                - Não! – Cythir Natma gritou em meio à tempestade. Um grito alto e forte que se misturou ao som do trovão.

 

                Sua voz era carregada de raiva, a mesma emoção que se espalhava por seu belo rosto.

                Diante dele estava Ubaelmat, seu irmão e também seu inimigo.

                As asas dos dois seres celestiais se moviam de tempos em tempos, mantendo os dois acima das nuvens tempestuosas que cobriam o céu abaixo de seus pés.

 

                - Você está louco, irmão! – Ubaelmat replicou, cerrando com ainda mais força os dedos ao redor do cabo de sua lança. – Você não vê o que está fazendo?!

                - O que EU estou fazendo?!

 

                Cythir brandiu sua espada no ar e a rajada de vento provocada por seu simples movimento abriu um rasgo nas nuvens abaixo. A fenda revelou momentaneamente as luzes de vilarejos, metros e metros abaixo, antes de voltar a se fechar.

                Acima deles as primeiras estrelas começavam a surgir na escuridão da noite e a luz do sol se despedia  no horizonte distante.

 

                - Cythir, eu te peço. – Ubaelmat restabeleceu sua postura altiva e apontou a lança na direção do irmão. – Cesse agora seu ataque e ordene aos lorideerias sob seu comando que façam o mesmo. A decisão foi tomada!

                - Eu não aceito essa decisão! – Cythir gritou em um tom grave e gutural.

 

                Com um bater de suas grandes asas negras, o ser celestial avançou contra Ubaelmat. Suas armas se cruzaram num estrondoso impacto que facilmente poderia ser confundido com um trovão.

                O vento provocado pela força descomunal de suas essências divinas rasgava o céu e as nuvens a cada golpe e a cada vez que se chocavam suas armas emitiam relâmpagos mais intensos que os da própria tempestade. Clarões que por breves momentos transformavam a noite em dia.

 

                - Você não me deixa escolha, irmão. – Ubaelmat falou ao se defender de um ataque de cima pra baixo que certamente o teria rasgado ao meio se não fosse por suas habilidades com a lança.

                - Como se você soubesse o que é não ter escolha...

 

                Cythir puxou a espada com desprezo e se preparou para um segundo golpe, mas não teve tempo e nem sequer oportunidade.

                A rajada elétrica que envolveu seu corpo pareceu vir de lugar nenhum.

                Algo tão poderoso que em seu lugar qualquer outro ser vivo teria sido imediatamente transformado em pó.

                Ele sentiu sua pele e sangue ferverem, queimando com a corrente elétrica. Seus músculos se retesaram em espasmos frenéticos e ali, paralisado pela dor, encarou Ubaelmat voando poucos metros acima de si, cercado pelas estrelas brilhantes enquanto se preparava pra arremessar sua lança.

                E o golpe veio.

                Como uma sentença, a arma cruzou o céu produzindo um clarão azulado que se refletiu até mesmo sobre as nuvens. O golpe atingiu Cythir que, quase que por milagre, conseguiu se mover o suficiente para bloquear a ponta da lança com sua própria espada.

                Mas a magia aplicada naquela investida era mais do que ele podia suportar.

                Cansado e ferido, Cythir foi arremessado tão rápido para baixo que seu próprio corpo queimou, se transformando numa massa em chamas, uma estrela cadente que atravessou as nuvens tempestuosas numa diagonal aguda até se chocar com o alto de uma montanha.

                O som do impacto se espalhou pelos quatro cantos e ali, no centro da grande cratera que se formou, Cythir sentiu sua consciência oscilar.

                 Suas asas estavam partidas, seu corpo ferido e seus propósitos frustrados. A chuva caia sobre ele, lavando o sangue que escorria de seus machucados e as queimaduras em sua pele, acumulando-se ao seu redor e transformando a terra em lama.

                Ele sabia que Ubaelmat estava lá em cima em algum lugar. Sabia que ele viria atrás de sua lança.

                Então talvez ele só precisasse esperar... Deixar o fim chegar...

               Afinal, o que mais ele tinha a perder?

                Por que deveria continuar?

                A pergunta ecoou por sua cabeça enquanto seus olhos começavam a se fechar e como resposta, sem perceber, sua mão se moveu.

                Ela envolveu o pingente preso ao colar ao redor de seu pescoço e imediatamente suas lágrimas se misturaram com a chuva.

                No mais absurdo esforço, Cythir se levantou.

               Ele escalou a encosta da cratera e sentiu a dor em suas asas quando tentou voar montanha abaixo. Tudo o que conseguiu, no entanto, foi despencar em trambolhões descuidados, se machucando ainda mais conforme se chocava contra a encosta pedregosa, batendo as vezes em pedras, as vezes em árvores, até finalmente atingir o chão.

                Com o resto de sua magia, o ser divino se misturou a escuridão da noite, sua aliada mais fiel. E assim galgou seu caminho para o interior ainda mais sombrio de uma caverna na encosta da montanha.

                Resgatou a energia de sua arma para dentro de si e recolheu suas asas que estalaram e doeram absurdamente enquanto se encolhiam.

                Imerso na dor de seus ferimentos, alucinando, ouviu sua própria voz chamar por um nome...

                ...Aquele nome...

                E então, quando não conseguiu mais aguentar, desejando mais do que nunca pelo fim...

               Cythir caiu.

Moon Ghost

Escritor, designer, fotografo, musico, programador, ator, jogador, artista marcial e o que mais der na telha. Criador de mundos e alterador de realidades nas horas vagas.

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