- Deixe-a em qualquer lugar.
Versalis fala e Yue simplesmente larga o corpo.
O necromante parece calmo, ainda cansado, mas não ao ponto de impedir o que esta prestes a fazer.
Ele move seu cajado, canalizando sua energia e erguendo uma barreira que delimita alguns metros de floresta ao redor deles.
- Proteja o meu corpo. - é o que diz a seguir, puxando o cadáver da mulher para junto de uma árvore e sentando no chão de frente à ele.
Yue segura firme sua lança.
Seria fácil matá-lo nesse momento. Versalis está de costas, de olhos fechados, imerso em algum tipo de meditação profunda enquanto faz uso de suas habilidades.
Ainda assim, continua sem o ímpeto.
Não é como se não quisesse. Apenas lhe falta a disposição. Então ele se move e para de pé, de costas para o necromante. Olhos e ouvidos atentos ao redor.
"Proteger do que?" - pensa.
O som dos animais distantes... Farfalhar das folhas...
O vento... Pássaros...
Nada que possa representar perigo.
Estava pronto para baixar a guarda quando aquela sombra apareceu diante dele.
A silhueta ganhou forma e transformou-se na imagem de uma garota.
Não que isso fizesse qualquer diferença.
Yue agarrou sua lança e partiu para o ataque.
O movimento foi simples, forte e preciso.
A ponta da lança atravessou a sombra que imediatamente se desfez.
"Uma miragem." - ele pensa, tendo a certeza de que seu golpe teria atingido qualquer coisa que fosse material.
- Apressado demais. - ele ouve.
A voz vem do lado, dois metros de distância e dessa vez Yue se concentra.
Sente sua energia se espalhar pelo corpo, se misturando aos seus músculos e fortalecendo-os.
Pela primeira vez em algum tempo o aprimoramento funcionou e apesar de não estar nem perto do que deveria, ele sabe que é tudo o que vai conseguir naquele momento, então mais uma vez segue para o ataque.
Foi um breve intervalo que a invasora desconhecida usou para desenhar formas no chão com o galho que carregava e imbuindo as formas com magia faz com que um golem se erga.
Três metros da altura, aproximadamente. Todo feito de pedras e recoberto por terra e grama.
Parece imponente, mas não o suficiente para impedir Yue.
Ele cruza a curta distancia com seus músculos aprimorados acelerando seu movimento, passando pela criatura apenas para descobrir que a garota já não estava mais lá.
"Uma invocação dupla? Tão rápido?" - o pensamento cruza a mente de Yue.
Por mais que quisesse saber para onde ela havia ido, não fazia diferença naquele momento.
No exato lugar onde a garota devia estar agora havia um lobo humanoide.
Era igualmente grande e forte, e sua forma havia sido escondida pelo golem.
O garoto desfere um soco e atinge o monstro no joelho, fazendo-o se curvar e cair, dobrando uma das pernas e apoiando a mão no chão.
Se fosse rápido o suficiente talvez conseguisse acabar de uma vez só com aquilo.
Seu plano era continuar a avançar e atravessar a lança pela cabeça do lobo, mas ao invés disso foi atingido.
Com uma das mãos a criatura agarra Yue com força o suficiente para quebrar seu braço esquerdo e então o arremessa fazendo com que se choque contra o golem de pedra antes de cair no chão.
Ele vislumbra a garota novamente nesse momento.
"Mas como?"
Ele não gasta muito tempo com o pensamento.
A invasora está próxima a Versalis e esta não poderia ser uma oportunidade melhor.
Yue arremessa a lança por entre as pernas do golem de pedra e antes de ser atingida, mais uma vez ela desaparece.
A arma atravessa a armadura e se crava no corpo do necromante que permanece inconsciente enquanto o garoto deixa um leve sorriso aparecer no rosto.
O golem de pedra então ergue uma das mãos acima de sua cabeça e desfere um pesado golpe com a palma aberta. Um movimento que provavelmente esmagaria Yue se ele não tivesse rolado por entre suas pernas, evadindo do ataque e parando ao lado de Versalis.
O corpo da garota que ele havia matado não está ali e é pelo canto do olho que ele o nota sendo puxado para trás de uma grande pedra a poucos metros de distância.
Sem qualquer cuidado, Yue arrancou a lança do corpo do necromante e se preparou.
Naquela altura ele já sabia que estava lidando com alguém muito habilidoso.
Se fosse apenas uma maga qualquer projetando ilusões, as criaturas não seriam reais.
Mas se esse fosse o caso, não teria sido atingido pelo lobo e o golem de pedra não teria atingido o chão com aquela força ao errar o golpe.
Então talvez ela fosse uma construtora ou uma invocadora... Mas fazer com que dois monstros surgissem ao mesmo tempo? E não só isso, mas também desaparecer quase que imediatamente após a invocação e se movendo tão rápido a ponto de superar seu aprimoramento e ainda deixar para trás uma das criaturas em seu lugar?
Da ocasião em que havia atingido o joelho do lobo até aquele momento ao lado de Versalis, não havia se passado sequer um minuto e ainda assim a garota teve tempo de dar a volta, pegar o cadáver e arrastar alguns metros para trás da pedra.
Yue sabia que não fazia sentido lidar com os golens. Eles provavelmente desapareceriam se a invocadora fosse morta.
Também não precisava se preocupar em proteger Versalis já que ele era o alvo.
E mesmo que não fosse, provavelmente as criaturas iriam priorizar a proteção de sua mestra.
Então, sem perder tempo e segurando a lança com a mão direita, voltou a avançar.
- Você ainda não cansou? - foi o que ela disse com irritação assim que viu Yue aparecendo mais uma vez.
A resposta do garoto veio na forma de outro ataque.
Um movimento preciso que pretendia perfurar o peito e o coração da invasora.
Exceto pelo fato que, mais uma vez diante de seus olhos, ela desapareceu e tornou a aparecer sobre a pedra.
Foi quando, como previsto, as criaturas invocadas alcançaram o lugar.
Ela permaneceria na evasiva.
Trocando de posições, sumindo e voltando a aparecer. Enviando as criaturas para fazer o trabalho enquanto ela mesma se encarregava do corpo.
Mas... O quanto se importava com aquilo?
- Você quer? - Yue fala, voltando seu olhar na direção da garota que o encara com irritação.
Segurando a lança com firmeza em sua mão direita, o garoto atravessa o peito do corpo inerte da falecida bruxa até o metal se cravar no solo do outro lado. Então, ainda segurando a lança, senta sobre a barriga como se fosse uma almofada.
- Vem buscar.
Furia.
É isso o que ele vê no rosto da invasora antes do lobo o alcançar, erguendo ambas as mãos com os dedos entrelaçados e descendo num ataque poderoso.
Yue salta para trás, mas não escapa ileso e tem suas pernas atingidas.
O golpe, no entanto, desce sobre o cadáver, danificando-o ainda mais e gerando uma espécie de clarão mágico ao mesmo tempo em que afunda no chão. A lança agora quase um metro para dentro do solo.
Yue tenta se por de pé, mas é inútil. Suas pernas estão machucadas demais e tudo o que consegue fazer é sentar e observar.
- Você não teve um pingo de piedade, não é mesmo? - ela fala, olhando para Yue. - Por que eu deveria ter piedade de você?
"Piedade?"
Yue não responde.
Não tenta escapar e nem desperdiça energia em esforços inúteis.
Se ela buscava o corpo, não se importou em danificá-lo.
Se buscava vingança, conseguia manter a razão a ponto de não cair em sua provocação.
Talvez, se ela chegasse perto o suficiente, poderia acertar um bom soco em sua cara.
Mas não... Ela parecia entender muito bem os cuidados que devia tomar, então apenas mantém a distância e o encara até se cansar.
O golem de pedra finalmente se aproxima e o agarra entre as mãos.
Seu aprimoramento falha novamente.
Quantas vezes já? A essa altura a coisa toda parecia muito mais uma questão de sorte do que algo que ele havia treinado.
"Não faz diferença..."
A morte nunca foi uma inimiga.
Na verdade, provavelmente sempre foi sua única aliada.
A única coisa com a qual ele sempre pode contar.
E a dor de ter seus ossos quebrados enquanto seu corpo é esmagado, de alguma forma, não chega nem perto...
"...Do que?"
O sangue invade seus pulmões que ardem enquanto o esboço de uma ultima respiração se forma.
Seus olhos se fecham e seu ultimo pensamento é uma certeza repleta de duvida...
A certeza de já ter sofrido coisa pior por mais que não consiga lembrar o que.
"Pelo menos acaba aqui..."
Foi a ultima coisa que pensou...
...E ainda assim, mais uma vez, voltou a abrir seus os olhos.
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