Dinâmica da Parede

Recomendo que este texto seja lido ao som da musica a seguir:


Diante de mim há esta parede e eu não vejo nada mais além dela.
Não importa o quanto eu corra para os lados, a parede não termina.
Também não importa o quanto eu olhe para cima, ela é simplesmente alta demais para que eu possa escalar.
E ao meu redor...
Ao meu redor não há nada além deste grande deserto de areia, deste céu azul sem nuvens e do sol que queima meu corpo.

Mas diante de mim, somente esta parede...

Eu desconheço suas proporções. Desconheço a espessura de seus tijolos...
Ela pode ser tão grossa quanto uma montanha.
Talvez esta parede seja mesmo uma montanha...

Eu não sei...
Mas o que eu não sei não importa.
Então, como se fosse minha inimiga, eu a encaro.

Em silêncio... Eu a encaro.
Em silêncio alongo meu corpo e me preparo para lutar.

...Por que tudo o que eu sei é que atrás dessa parede há alguém muito importante para mim.
E eu tenho que atravessar se quiser ajudá-la...

"Sim... Eu tenho que atravessar."

Toco sua superfície com minha mão direita e então a seguir com a esquerda.
Sinto a rigidez sólida que recebe meu olhar e devolve o calor refletido do sol.
Mas o calor que  realmente sinto vem de dentro.
Vem da minha raiva. Vem da minha fúria.
O calor que eu sinto está estampado em meu rosto e nos meus dentes cerrados.

...Eu começo a empurrar...

E empurro...
Cada vez com mais força... Até meus músculos queimarem... Até meu sangue virar fogo em minhas veias...
Meus pés se arrastam no chão e meu corpo vibra e arde...
Meus ossos estalam..

...E eu empurro... Empurro... E empurro!

Apenas para que nada aconteça...
Somente para contemplar minha inimiga imóvel, desdenhando de mim...

"...Desdenhando de mim. Mas atrás dessa parede..."

Sinto o desespero tomando conta e me afasto...
Apenas um pouco, apenas alguns passos.
Sem desviar meu olhar. Respirando fundo. Reunindo minhas forças...

"Desdenhando de mim. Ela desdenha de mim..." - E então minha respiração se acelera. Se intensifica.

"Seria tão mais fácil se eu tivesse alguma coisa que pudesse usar." - Eu penso. - "Uma ferramenta... Qualquer coisa!"

...Mas eu não tenho nada.

Tenho apenas meu corpo...
E então, se tenho apenas isso... Não adianta pensar...

Apenas sentir.
E o que eu sinto é desespero e angústia. O que eu sinto é raiva, é ódio, furor!
Eu chuto... E me jogo contra esta parede maldita...
Eu soco! E volto a socar...
Um golpe após o outro.
E de novo... De novo... E de novo!
Até o sangue escorrer de minhas mãos!
Até meus ossos parecerem querer se partir!
Sentindo a dor penetrar fundo em meu corpo e minha alma.

Mas a parede não se move...

...Ela desdenha de mim.
Desdenha de mim com a mancha de meu próprio sangue em sua face.
Ri de mim enquanto me escoro de costas e deixo meu corpo escorregar até o chão.
Eu ouço gargalhadas em minha mente enquanto desço lentamente... Ofegante...
Sinto a parede encarar minha nuca quando deixo a cabeça cair.

Sinto... O soco no estomago.
O amargor.
Eu sinto como se tivesse perdido...

Sim... Me sinto frustrado! Vencido! DERROTADO! Humilhado por esta imobilidade irritante...
Dentro de mim minhas próprias paredes começam a me sufocar.
...Sinto a claustrofobia de meus pensamentos...

"Por que não desistir e ir embora?"
"Por que se esforçar tanto?"
"Por que se ferir?"
"Eu não consigo..."
"É maior do que eu..."
"É mais forte do que eu..."

A convulsão de idéias me esmaga por todos os lados...
As perguntas ecoam por dentro e começo a me debater por fora...

Sinto meu peito carregado...
Sinto vontade de levantar e tentar de novo!
Sinto vontade de ficar onde estou e desaparecer!
Sinto uma imensa vontade de chorar...

"...Mas eu jurei nunca mais chorar."

Só me resta continuar a pensar...
E ser vencido pela pior de todas as perguntas...

"Alguém faria o mesmo por você?" - Eu ouço a voz em minha cabeça dizer.

Se alguém faria o mesmo por mim?

Estou paralisado. Abraçado as minhas próprias pernas como um bebê no ventre da mãe.
Completamente imóvel, sentado sobre a areia quase sem mesmo sequer respirar.
Sem emitir qualquer som. Recostado em minha inimiga.
...Erguendo lentamente a cabeça, encarando com olhar vazio a vastidão diante de mim...

Sim... Eu confesso...
Houve tempo em que desejei isto.
A certeza de saber que sem importar a situação sempre haveria alguém com quem eu pudesse contar.
Alguém que jamais desistiria de mim. Nunca... Independente do esforço necessário ou do tempo que levasse...
...Essa pessoa iria lutar por mim... Até o final...

Mas eu passei tempo demais convivendo com os humanos e aprendi muito sobre eles.
Não... Não existe tal coisa.
Eu vi grandes amizades se perderem em meio ao orgulho. Vi grandes amores se afogando em desilusões...
E ninguém que conheço possui em sua vida alguém tão importante a ponto do tempo não ser capaz de apagar...

...Eu cansei de ver pessoas sendo deixadas para trás simplesmente por que a dificuldade de mante-las por perto fazia não valer a pena...

Sim, humanos são egoístas e eu não os recrimino por isso...
É preciso ser egoísta para poder sobreviver...

E é fato que somente alguém muito idiota iria se dispor a nunca desistir...
Somente alguém muito estúpido continuaria tentando e se esforçando numa tarefa que obviamente não vai conseguir superar...
Que tipo de imbecil jogaria sua vida fora... Seu tempo... Pra ajudar alguém quando obviamente não tem forças pra conseguir salvar?

A resposta é muito fácil... Muito simples...




"Quem é que faria o mesmo por mim...?"




"...Ninguém."




Então eu me ergui lentamente e parei no lugar ainda de costas para a parede...
Minha cabeça pesava baixa, meus olhos encaravam o chão e meus dedos sangravam em suas falanges.

"Mas eu não nasci pra ser qualquer humano..."

E a raiva mais uma vez tomou conta de mim.
E com raiva, mais uma vez eu virei e voltei a bater.

Eu simplesmente não ligo se ninguém faria o mesmo por mim...
Talvez nem mesmo a pessoa atrás dessa parede fizesse o mesmo por mim...
Mas não importa... Nada disso importa...

Por que eu conheço esse desespero! O desespero de não ter ninguém pra te salvar!

E se eu tiver que ser o único idiota do mundo a nunca desistir!
Então eu atravessarei essa parede!

E eu repito pra mim mesmo... Golpe após golpe... "Eu vou atravessar..."

Não importa quanto tempo isso leve...
Não importa o quanto me custe...
E mesmo que eu não consiga...
Eu morrerei tentando...

"Eu vou atravessar... Eu vou atravessar..." - E é só isso que eu penso... Só isso que eu digo e repito...

Ou você vai me dizer que se fosse você atrás da parede.
Se fosse você precisando de ajuda.
Sim, você!
Você iria preferir que eu desistisse de tentar?

Você conhece a solidão de não poder ser salvo?

"Eu conheço..." - E continuava a socar.

Conheço a dor de não ter ninguém pra te ajudar.

"Eu vou atravessar." - E continuava a socar

A solidão? Sabe o que é estar sozinho de verdade?

E cada golpe... Cada soco...
Cada gota de sangue e suor...


Enfim a parede se rompeu diante de mim.
E apesar de meu juramento, eu não pude evitar.
As lágrimas rolaram pelo meu rosto e tocaram a areia quente.
Meus joelhos foram de encontro ao solo.

"Por quanto tempo eu estive batendo, afinal?"

...Era tarde demais e o corpo diante de mim balançava pendurado pelo pescoço numa corda.

A dor em meus ossos nem se compara a frustração que sinto... A tristeza... A magoa...

Mas eu jurei nunca mais chorar...
Lembro disso encarando seu corpo e tocando as mesmas mãos que tantas vezes segurei entre as minhas, agora frias... Inertes.

"Eu jurei nunca mais chorar."

"As vezes é preciso saber quando desistir. Quando parar de tentar..."
Eu ouvi baboseiras como essa de tantas pessoas que perdi a conta.
E me pergunto quantas vezes você também ouviu...

Então limpo minhas lágrimas com minhas mãos cheias de sangue e areia, tingindo meu rosto de vermelho e vestindo novamente a máscara da raiva.

Por que?

Por que sua dor não é maior que a minha.
E mesmo quando você já tiver desistido de tudo.
Mesmo quando você já tiver desistido de si mesma...

...Eu ainda vou lutar!

Por que eu simplesmente não posso ser ignorado...
...Eu não posso simplesmente deixar pra lá...

EU NÃO VOU DESISTIR!

Então levanto a cabeça, decidido...
...Obstinado.
E repito pra mim mesmo...

"Eu vou atravessar... Eu vou atravessar..."

Sim...
É dessa forma que galgo meus primeiros passos no inferno.
Com esse mesmo pensamento que encaro os demônios que me aguardam.
E é desse jeito que parado diante do metal escaldante de seus portões... Eu digo...

"...Eu vou atravessar..."

Seja na vida ou na morte... Eu vou te salvar.

...Então me preparo para bater.

Moon Ghost

Escritor, designer, fotografo, musico, programador, ator, jogador, artista marcial e o que mais der na telha. Criador de mundos e alterador de realidades nas horas vagas.

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