A luz estava apagada
e a sala era iluminada apenas pelo brilho intermitente das cenas que passavam
na televisão. O som ecoava pela casa vazia enquanto o garoto, curvado pra
frente, apoiava o queixo nas mãos e os cotovelos nas coxas. Assistia ao filme
com um ar que misturava um pouco de sono e tédio.
Ao seu lado no mesmo
sofá estava sua amiga. Descalça, abraçando as pernas dobradas enquanto encarava
seu companheiro sem prestar qualquer atenção à televisão.
Cenas de explosões...
Sangue e gente gritando...
E dentro da casa um
dedo se moveu.
Algum personagem
importante falava algo importante...
...Mas aquela mão já
estava a caminho...
Mais uma explosão!
Agora tudo estava explicado! O assassino era...
...Era...
O dedo.
Aquele dedo indicador
que pertencia aquela garota. A mesma que com uma expressão de panda carente e
sem desviar o olhar, agora cutucava a bochecha do amigo.
- Não faça isso. -
ele falou, sorrindo com o canto dos lábios e sem desviar os olhos da televisão.
- Isso o que? - ela
perguntou, sem sorrir e concentrada em sua tarefa.
- Isso que você está
fazendo.
- O que estou
fazendo?
- Isso... –
disse, apontado para o dedo da amiga e ainda olhando a tv.
- "Isso..."
- ela repetiu, imitando-o e cutucando um pouco mais.
Uma mulher no filme
saiu correndo e alguém começou a persegui-la.
- Você está perdendo
a melhor parte do filme.
- Hmm... Sim... O
filme... - ela tirou o dedo da bochecha do amigo e voltou a se encolher por um
momento.
O garoto também
estava descalço. Seu tênis estava jogado em algum canto da sala junto com as
meias. Ou pelo menos um deles estava.
Ele vestia uma
bermuda vermelha e uma camiseta preta com um "X" bem grande estampado
na frente. Tinha pendurado no pescoço um colar com um pingente e um pequeno
brinco de argola na orelha esquerda.
Seu cabelo era preto,
bem curto e não raramente isso lhe dava uma aparência de jovem mal encarado.
Principalmente quando ele cismava de manter seus olhos fixos em algo ou alguém
por sabe-se lá qual motivo.
Ela por sua vez tinha
os cabelos castanhos, ondulados e compridos até o meio das costas. Estava
vestindo shorts rosa, uma camisetinha branca lisa e uma blusa de moletom cinza
com capuz cujo o dono não parecia estar precisando nem um pouco, já que estava
concentrado no filme.
Usava um anel com uma
pedrinha brilhante na mão esquerda e um par de pequenas presilhas de estrelinha
presas no cabelo que não serviam pra nada além de enfeitar a sua franja.
Na televisão alguém
voltou a gritar... Provavelmente a mulher que estava sendo perseguida.
...E na casa um pé
vestido numa meia rosa começou a se mover.
Alguém pulou da
janela. Uma faca apareceu em foco...
E aquele pé...
Movendo-se no escuro...
A faca foi lançada
no...
Pé?
Sim... Lá estava
aquele dedão de pé cutucando a bochecha do amigo...
Por um momento apenas
silêncio tanto na sala quanto no filme e ambos os amigos imóveis. Ele
curvado pra frente e ela num contorcionismo com um pé no sofá e o outro na cara
do companheiro.
- Sabe de uma coisa?
- ele falou.
- O que? - ela
perguntou, ainda encarando-o com seus olhos castanhos e seu ar de panda.
- Você tem chulé...
- Não tenho não...
Ele voltou a sorrir e
a encarou com o canto dos olhos.
- Um chulé tipo de
provolone...
- Nem é...
- Pior chulé.
- ...De provolone?
- É...
- Então come... - ela
falou enquanto começava a mover seu pé na direção da boca do amigo.
Foi demais para ele
aguentar.
Rapidamente rolou
pelo sofá, pulou e ficou de pé na frente dela.
- Tá tentando me
matar?!
- ... – ...ainda
com a mesma expressão.
- Garota... Você... –
talvez isso também fosse demais pra ele. - Aaaaargh!
Fim de jogo.
Mais uma vez aquela
cara de panda venceu.
- O que foi? - ele
perguntou suspirando enquanto levava a mão até a testa e fechava os olhos num
claro sinal de derrota.
- Por que você não me
ama?
- Por que... - e de
repente ele parou. Que raios de pergunta era aquela? - Pera... O que?
- Por que você não me
ama?
E então uma musica
começou a tocar no filme... (Christina Perri - A Thousand Years... Maybe :P. Qual é!? É
bonitinha, mwahahaha).
Uma cena de beijo...
O sol poente ao fundo...
Pelo visto a
protagonista, de alguma forma, havia conseguido se salvar... Mas nenhum dos
dois sequer percebeu. Estavam ocupados demais se encarando naquele momento
enquanto o garoto sentia toda a pressão que uma mulher pode causar com sua
habilidade sobre-humana de confundir.
- Como amigo? - ele
perguntou, completamente incerto do que estava dizendo e apenas para ver a
garota torcer os lábios.
Mais música ao
fundo... A mesma música... E a câmera focando no horizonte distante e subindo
ao céu.
- Como... Irmão? -
arriscou de novo. Dessa vez ela fez uma careta, apertando os olhos e fazendo
bico.
"Ow
droga..." - ele pensou.
E lá estava ele...
Estático e surpreso.
Talvez assustado
demais pra tomar qualquer atitude ou falar qualquer coisa. Quem sabe até mesmo
incrédulo?
...Então a garota
simplesmente suspirou e começou a se mover no sofá.
- Já entendi. - foi o
que ela disse, de uma forma bem desanimada enquanto começava a calçar seu
tênis. - Melhor eu ir antes de estragar nossa ami... Aaaaah!!!
Sim...
"
Aaaaah!!!" foi tudo o que ela conseguiu dizer em um pequeno grito quando
ele pulou em cima dela e a derrubou de volta no sofá.
A sala estava ainda
mais escura, a única luz se espalhava aqui e ali com as cores brancas do texto
do letreiro que rolava na televisão. Os dois se encaravam na escuridão, fitando
a silhueta de seus rostos tão próximos.
Olhos que começaram a
fechar...
E rostos que
começaram a se aproximar ainda mais...
Tão lentamente...
Talvez até mesmo com
um pouco de medo... Como algo tão delicado que precisa ser tratado com todo
cuidado.
Eles podiam sentir o
coração descompassado um do outro quando seus lábios se encontraram num
singelo, mas tremendamente apaixonado...
Beijo.
Tão quente. Tão
esperado e feliz.
E foi com aquela
felicidade correndo seus corpos que ele a agarrou num abraço e rolou com ela
para o chão, caindo do sofá e a fazendo gritar novamente.
Agora era ela quem
estava por cima dele, praticamente sentada em sua barriga.
- Por que? - ele
perguntou.
- Por que...? O que?
- Por que você
demorou tanto pra perguntar?
Ela sorriu e deitou
em cima dele, encostando sua cabeça em seu peito e ouvindo seu coração bater.
- Eu não sei... - ela
sussurrou, ainda sorrindo.
E os dois ficaram
assim mais um pouco.
- Por que? - ele
perguntou de novo.
- O que...?
- Seu chulé cheira a
provolone...?
- Eu não tenho chu...
- ela disse enquanto se levantava, mas ele foi mais rápido e a surpreendeu
novamente...
O que passou a seguir
na televisão foi a propaganda de um creme para prender dentaduras, mas eles
estavam ocupados demais se beijando pra prestar qualquer atenção.
Então fiquem com a
musiquinha...
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